A vista do alto da Duna do Pôr do Sol - um clássico em Jeri.
Chegar em Jericoacoara nunca foi mesmo muito fácil. É preciso rodar até Jijoca, a cidade mais próxima da vila, a 250 km de Fortaleza, e embarcar nas caminhonetes, ou numa jardineira, que atravessam um mar de dunas que por tanto tempo escondeu Jeri do resto do mundo. Difícil? Já foi bem mais. Há três décadas não havia estrada alguma e o único acesso era por barcos, ou caminhando pela praia, vencendo os 13 km desde a vizinha vila do Preá.
Era justamente esse o caminho usado pelos primeiros mochileiros que ali chegaram no começo dos anos de 1980. Foram eles que espalharam a novidade que ali, escondido nos confins do litoral cearense, estava uma das mais belas praias do planeta. Uma espécie de paraíso, sem televisão ou telefone, livre dos males da civilização. Não demorou muito para que o vilarejo de pescador, distante de tudo e todos, ganhasse fama internacional.
O turismo mudou a cara da vila, é verdade. Mas esqueça aqueles relatos apocalípticos que dão conta que Jeri já era. A fiação elétrica veio em cabos subterrâneos para que fios e postes não descaracterizassem o lugar e as ruas ainda são de areia. Jeri continua sendo uma pequena vila de praia, e só. Ganhou pousadas transadas e restaurantes com cardápios de gourmet, mas o mar do Ceará continua verde e morno quanto sempre foi, a duna mantém-se imponente como mirante natural para o mais famoso pôr-do-sol do Brasil. E o vento não pára de soprar forte, movendo as velas de windsurfe e levantando a saia da mulherada.
Jeri é uma unanimidade. Dez em cada dez turistas em férias no Ceará vão, ou gostariam, de ir para lá. Muitos cometem o erro de ir em meio a uma viagem à Fortaleza e passam apenas um ou dois dias na vila. Não vale a pena, por conta da distância e dos percalços do caminho, gasta-se praticamente um dia inteiro para ir e outro para voltar. Melhor mesmo reservar 4 ou 5 dias só para Jeri, tempo para adquirir a calma necessária para captar a energia especial do lugar. E ainda dedicar passeios aos encantos que a rodeiam, como caminhar até a Pedra Furada, passear de bugue nas dunas, mergulhar nas lagoas de Jijoca e brincar de esquibunda em Tatajuba.
Quem chega de carro alugado em Jijoca é recepcionado logo na entrada da cidade pelos guias da associação local. Eles estão bem ao lado da guarita de informações turísticas e quase se jogam na frente do carro, quando não o perseguem de bicicleta, para convencê-lo a guiá-lo até Jeri no veículo que você alugou em Fortaleza. É possível, seguindo pela areia da praia desde a vizinha Mangue Seco, mas o risco de atolar não compensa. Até porque você não precisará do carro para nada em Jeri. Faz parte do astral local esquecer-se de automóvel e celular. Chegar com a jardineira ou nas caminhonetes faz parte da diversão.
A vila tem apenas cinco ruas principais, que desembocam na praia, e uma dúzia de transversais. A rua principal é o ponto de encontro dos nativos, com bastante movimento das caminhonetes, bugues que fazem passeios e caminhões que abastecem o mercadinho do Jacaré e o Tem de Tudo. Não é o melhor lugar para se hospedar. Pela manhã, há muitos veículos circulando, talvez mais do que deveria. Sorte que é mais à noite que os visitantes curtem a vilarejo, na hora de escolher um cantinho para jantar ou cair no forró. Durante o dia o negócio é aproveitar a praia. E Jeri não é uma praia como outra qualquer.
Primeiro porque não tem aquela beleza fácil de enseadinha de mar azul cercada por coqueiros. A praia em si, aliás, nem é das lindas, com areia batida escura e poças d´água represadas na maré baixa. Seu maior magnetismo está no conjunto de dunas da redondezas, desde 2002 tombado como Parque Nacional. A beleza está na vista que se tem do alto da grande duna, chamada Duna do Pôr-do-sol: um praião deserto espetacular, que estende-se por uma dezena de quilômetros até Camocim, a última cidade do litoral cearense.
Nas horas centrais do dia, o sol é de rachar e poucos se arriscam a caminhar. O ponto de concentração é no canto direito, onde as amendoeiras dão sombra às mesas do Bar da Praia. Próximo a hora do almoço, a cerva gelada entorna fácil e a conversa rola solta enquanto o olho passeia entre a grande duna num canto e o balé das velas de windsurfe no outro. Se bater a fome, prove a peixada do da Isabel, que só não tem as mesas mais disputadas do que as do restaurante a quilo do Clube dos Ventos, o centro de windsurfe de Jeri, que dá suporte aos windsurfistas que chegam do mundo inteiro para aproveitar os ventos alísios daquela esquina do litoral brasileiro. Além do restaurante e do aluguel do equipamento, a estrutura do Clube dos Ventos oferece área de descanso com espreguiçadeiras e agência de turismo para quebrar o galho dos estrangeiros com reservas de voos e traslados para Fortaleza.
Quando a tardinha vai chegando, o calor ameniza e a praia se transforma, enche de gente. É a hora do futebol, da caminhada, da aula de capoeira na areia, dos cavalos galopando e dos bugues chegando dos passeios. Lá pelas cinco horas, a duna começa a mudar de cor e ganha o dourado do final do dia. O pessoal começa a subir a morro de areia, fazendo lembrar filme de ficção científica quando todos andam hipnotizados em direção a uma luz misteriosa. Pois todo final de tarde essa reprise faz o maior sucesso em Jeri. É um ritual diário. E lá de cima, todos assistem ao astro-rei se transformar numa imensa bola vermelha e iniciar seu mergulho no mar.
Depois do pôr-do-sol, feito saída de cinema, todo mundo segue duna abaixo. Mas o dia ainda não acabou e de longe já se escuta o som do berimbau e a cantoria do “Paranauê, paranauê, paraná. É a senha para a roda de capoeira comandada por Mestre Serê, que rola em clima quente nas areias de Jeri até o dia virar noite. O bar-restaurante Sky já aumenta o volume do som e promove um happy hour (difícil é encontrar mesa vaga) e bem ao lado as barraquinhas de batidas formam um corredor, que os nativos apelidaram de passarela do álcool. Os vendedores convidam para a caipirinha falando em inglês com qualquer um, mesmo com você, que é da terra tanto quanto ele.
Para jantar, há muitas e boas opções de restaurantes. Daqueles que servem PFs entre R$ 10 e R$ 15, a outros mais transados com iluminação à meia-luz, chão de areia e música ao vivo. Quem cobra barato informa os preços numa lousa escrita a giz logo na entrada. Às vezes, a escolha vai pelo cardápio. Massa italiana? Prove a do restaurante Leonardo da Vinci. Peixadas e pratos regionais? Vá ao Carcará. E para um clima romântico com conversa ao pé do ouvido? Reserve mesa no Na Casa Dela.
Dunas e Lagoas
Se a vila ferve à noite. Durante o dia, a maioria dos visitantes estão nos passeios que seguem rumo aos dois lados do litoral. E eles acontecem na garupa dos bugues, os veículos mais adaptados para locomover-se pelas areias fofas do litoral cearense. No sentido do poente, o destino é Nova Tatajuba, um minúsculo vilarejo que teve que ser reconstruído depois que o antigo povoado foi soterrado pelas dunas. Nova Tatajuba é uma amostra de como Jeri era há duas décadas, com acesso apenas pela praia, seguindo por 35 km de areias desertas de Mangue Seco, que aliás nada tem a ver com a praia de Mangue Seco descrita por escritor Jorge Amado no romance Tieta do Agreste, que fica na Bahia. Antes, porém, uma uma parada no Rio Guriú, braço de mar onde canoas levam num passeio pelo manguezal para ver cavalos-marinhos.
Tatajuba é um lugar envolto por curiosas lendas, e quem conhece todas é Dona Delmira Silvestre, que vende bebidas aos turistas numa barraquinha de pau-a-pique. Batom vermelho nos lábios e periquito de estimação no ombro, a simpática senhora narra como as areias trazidas pelo vento expulsaram os moradores e encobriram as antigas casas do povoado. É um barato ouvi-la contar a história da duna alta que teria soterrado um navio encalhado. E desde então sons misteriosos são ouvidos no cair da tarde próximo a tal duna. A Forest Gump cearense garante que muita gente escuta os sons. “É gente conversando e até música de forró. Mas é só chegar perto que o barulho acaba”, jura Dona Delmira, que acredita existir algum tesouro de ouro e prata ali enterrado. E para encerrar a conversa ela emenda: “Gente, é muita história. Se eu for contar tudo, vocês perdem o passeio”.
A melhor praia de Tatajuba é de água doce – a Lagoa da Torta, com barzinhos que montam redes dentro d´água. Na Barraca do Didi o legal é o cardápio: uma bandeja com os peixes e frutos do mar pescados no dia. É só apontar o dedo que o garçom corre para a cozinha mandar preparar. Entre março e junho, depois que as chuvas de verão já caíram há uma atração a mais no roteiro, a Duna do Funil, onde uma grande lagoa com água da chuva represada formou-se no seu interior. É um dos mais belos cenários de todo o litoral do Ceará. Garotos fazem plantão para alugar pranchinhas para quem quiser descer de esquibunda e uma barraquinha de palha foi construída bem no meio da água para matar a sede dos visitantes.
Rumo ao leste, ninguém perde um mergulho nas Lagoas Azul e Paraíso, que fazem jus aos nomes que têm. Duas imensas lagoas cercadas por pequenas dunas, com água azul-turquesa. Jeri pode provar suspiros, mas nenhum banho de mar se compara a um mergulho nas águas cristalinas dessas lagoas. Poucos pensam em hospedar-se ali, mas há boas pousadas à margem da Lagoa do Paraíso, longe do burburinho de Jeri. O almoço acontece no Restaurante Azul do Mar, na Praia do Preá. Nem pense duas vezes para pedir o filé de robalo grelhado, especialidade da casa.
Há cerca de dois anos, a Praia do Preá não tinha quase nada, mesmo hoje ainda tem bem pouca coisa. Mas desde que a excelente pousada Rancho do Peixe instalou ali confortáveis bangalôs à beira-mar, passou a ser bastante freqüentada pela galera do kitesurfe. A vila aos poucos vem crescendo aproveitando-se da fama da vizinha, mas o turismo ainda não alterou o ritmo de vida local. A praia tem uma longa fileiras de jangadas ancoradas e sempre muitos pescadores, em cooperativa, trabalhando com redes e pescados. No caminho para o Preá, os bugues páram diante da Árvore da Preguiça, uma árvore que brotou no meio do areal e se desenvolveu completamente deitada devido à força do vento.
Outros passeios podem ser feitos por conta própria. Dá para alugar um cavalo para cavalgar nas dunas ou caminhar até a Pedra Furada, seguindo em direção ao lado direito da praia. Na maré baixa, em cerca de uma hora, chega-se a uma inusitada formação rochosa na beira do mar. No mês de junho, quem está na praia pode ver o sol se pôr pelo buraco da Pedra Furada. Seja qual for o passeio, porém, todos já estão em Jeri no final de tarde para cumprir o ritual diário. Subir a grande duna e ver mais um pôr-do-sol de cinema. Jeri pode não ser mais a mesma de 20 anos atrás, mas ainda é uma das grandes obras do arquiteto dos céus.
A vila de Jeri foi feita para descansar, mas há opções para agitar. E o que importa é a placa na frente do Bar Music For All: Hoje tem Forró. Mas nem precisava placa alguma, pois todo mundo já está sabendo de velho que quarta e sábado tem o tradicional forró. E quem não sabe fica logo sabendo. A notícia corre solta, voa feito as areias das dunas. Mas a pista só começa a encher lá para uma da madrugada pois “não pega bem chegar muito cedo na balada”, diz o vendedor de batidas que fica na porta do bar. O aquecimento é no som eletrônico, mas depois o que comanda é o bate-coxa pé-de-serra à base de acordeon, zabumba e triângulo. Bom treinar o inglês, pois a conversa é internacionalizada. No verão, aos sábados, monta-se um palco na praia e podem rolar shows gratuitos com artistas conhecidos nacionalmente.
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